A
segunda temporada da série Segunda Chamada entrou no ar na Globoplay há poucos
dias e já aquece corações e anima reflexões por todo país. Escrita por Carla
Faour e Julia Spadaccini, com direção de Joana Jabace, esses novos seis
episódios continuam revelando, com tensão dramática e doses de lirismo, o
cotidiano de uma escola pública noturna com todas as suas carências e
possibilidades.
Dessa
vez a escola lida com um problema que tem atingindo o turno da noite em vários
cantos do Brasil, o baixo número de matriculas, ou seja, a falta do interesse dos
alunos em buscar essa escola por diversas razões pessoais e, sobretudo, sociais.
Diante disso, muitos colégios são ameaçados de fechar. A partir desse mote, a
Professora Lúcia, magistral Débora Bloch, toma para si a missão de encontrar
mais alunos para que a escola não se acabe e que aqueles poucos que estão ali
também não desistam.
Movida
pela hybris que lhe é característica,
ela nuca desiste e não permite ser subjugada pelos limites que lhe impõem, vai
buscar em um grupo de moradores em situação de rua seus novos alunos. E, para a
surpresa, repulsa e espanto de muitos, ela consegue incluir aquelas pessoas invisíveis
na lista da Segunda Chamada, da Segunda Chance, da escola e da vida. Esse
grupo, liderado por Hélio (Ângelo Antônio com sua força frágil que já conhecemos
e adoramos), o sol daquelas almas, vai protagonizar grandes cenas dessa
temporada. Por trás daqueles corpos sujos e rejeitados há uma profusão de
histórias de vida que merecem ser ouvidas. Aquelas pessoas sem nome, sem
endereço, sem documentos, terão seu espaço na Carolina Maria de Jesus.
Outros
conflitos também são encenados nas salas de aula, preconceitos de toda ordem,
contra o índio, contra o nordestino, contra o idoso, contra os novos alunos que
não têm casa. Percebemos que o grande conteúdo daquela escola não está no Português
de Lúcia, na Matemática de Eliete, na História de Sônia ou nas Artes de Marco André,
mas nas múltiplas intervenções que os mestres fazem para que a maior lição seja
aprendida, a convivência com o outro. A alteridade é o conteúdo primordial que
atravessa essa trama.
Não
poderia falar em idoso, sem destacar o papel de seu Gersinho, vivido de corpo e
alma pelo veterano Moacyr Franco, sempre habituados a vê-lo nos fazer rir, tomamos
um susto com a grandeza dessa personagem que sofre do Mal Alzheimer e quer
realizar o sonho de terminar seus estudos antes que toda memória se esvaia. E olha,
Carla e Júlia, se vocês não o botassem para cantar, eu ia ficar frustrada, que
cena fenomenal. A música será usada como recurso mnemônico em um momento
crucial, “ eu nunca mais vou te esquecer”...
Como
em toda boa trama, há de ter os elementos folhetinescos, amor, morte, sonhos,
segredos do passado, drama e afins. Sem dúvidas todos esses desfilaram em nossa
tela ou em nossa telinha nos fazendo chorar de riso e de dor. O casal Sônia e
Marco André (Hermila Guedes e Silvio Guindane, obrigada!) vai viver seu amor difícil
com direito ao céu e o inferno em poucas horas sob a voz de Edith Piaf que já é
suficiente para nos comover. Mais não digo...E por falar em música, a trilha
sonora é um espetáculo à parte.
Como
professora de Literatura preciso elogiar as aulas de Lúcia, a sequência na qual
os alunos leem Grande Sertão: Veredas é belíssima. Ela alfabetizando Dona Néia
é comovente, enquanto mostra o A, Ana
Maria Braga aparece na tela da pequena TV e é com música que a aluna avança alegremente
em sua alfabetização. Aquela mulher que saber ler a vida, lerá também as letras
e os livros que ela vende agora lhes pertencerão. Método Paulo Freire na veia. Além, obviamente,
das aulas e dos exercícios de Teatro de Marcos André que faz com que os alunos
sejam protagonistas de suas tramas seja qual for o texto.
Ainda
é preciso destacar quantas outras discussões contemporâneas e eternas são
trazidas para o chão da escola, a pobreza menstrual, o alcoolismo, os
subempregos, a moradia, a queima dos livros, a homofobia, a violência contra a mulher
sob várias formas (Leandro!!!!), a acessibilidade, o difícil papel de diretor e
administrar múltiplos problemas diariamente (Paulo Gorgulho, nota dez com
louvor e distinção), o descaso das autoridades com a educação, representado pela
brilhante alegoria da rachadura do prédio, não adianta remendos, “é estrutural”,
mas mesmo assim como diz Lúcia “Educar não é sobre vencer, é sobre resistir, é
sobre acreditar que as coisas podem mudar.” E todos os dias milhares de Lúcias
saem de suas casas com o sol brilhando e voltam a noite exaustas, mas cientes
de que fizeram algo por alguém... No reino da ficção é possível dizer muitas verdades...E Apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia...