O
adjetivo ispilicuti, termo cearecês para caracterizar algo como bom, bonito ou
curioso e animado, enfim um elogio dos bons, é derivado da expressão inglesa
“is pretty cut”. Tal termo já foi repetido algumas vezes por Francisgleydsson
(Edmilson Filho), protagonista da série Cine Holliúdy, e parece
captar o sentido desse divertido programa, traduzir para o interior do Ceará os
grandes gêneros do cinema americano em meio a muito humor.
Baseada
no filme homônimo de Halder Gomes, a série de Marcio
Wilson e Claudio Paiva, dá continuidade ao tema dos filmes (1 e 2) e expande as
discussões apresentadas na telona, agora adaptadas para as telinhas (às terças
na Rede Globo e qualquer dia e hora no Globoplay), criando mais personagens
para agitar a fictícia Pitombas, cidade no interior do Ceará.
A
história central gira em torno da chegada da Televisão nos anos setenta e a sua
concorrência desleal com o cinema da cidade já em decadência, mas administrado
com todo afinco por Francysgleydsson, um idealista nato, e seu quebra-faca full
time, Munízio (Haroldo Guimarães). Aterrorizados pela TV instalada na praça
pública, que faz a sua clientela sumir, eles resolvem criar seus próprios
filmes made in Pitombas e para isso
não medem esforços e envolvem toda a cidade na sua empreitada, a começar por
Marylin (Letícia Colin), a mocinha da cidade, musa romântica do seu projeto e
dona do coração de Francis, afinal o amor é o grande tema da telona e das
telinhas desde sempre.
Pitombas
é a típica cidade do interior do Nordeste com seus personagens-tipo, o prefeito
corrupto a la Odorico Paraguaçu com seu discurso cheio de nove-horas ( o grande
Matheus Nachtergaele), a primeira-dama espevitada (a cômica Heloísa Perissé),
o padre vaidoso (Cacá Carvalho, inesquecível Jamanta), o delegado frouxo
(Brilhante Frank Menezes com sua peruca), o casal de comerciantes atrapalhados
(Carri Costa e Solange Teixeira, Dona Belinha revelação), além do secretário
do prefeito, a la Dirceu Borboleta( Gustavo Falcão) e grande elenco de coadjuvantes a cada
episódio. Sim, porque a cada semana temos um novo episódio da série e um novo
filme a ser feito e exibido no Cine Holliúdy.
Sob
as luzes da ribalta de Cinema Paradiso,
Lisbela e o prisioneiro, A rosa Púrpura do Cairo e muitas outras fitas que, metalinguisticamente, trazem a
sétima arte como tema, a série tem sido um sucesso de bilheteria e nos faz rir
toda semana. Além dos títulos citados, podemos ver ecos de O auto da Compadecida, O Bem-Amado e O coronel e o lobisomem dentre
outros no que tange à representação do Nordeste.
É
interessante notar que temos uma espécie de espelhamento do filme que está
sendo construído por Francis e os acontecimentos que se desenrolam na cidade,
como no filme de terror sobre a “noiva cadáver” e o fantasma da primeira mulher
do prefeito que volta para lhe assustar ( Ingrid Guimarães). Assim, temos filme
novo no cinema e história nova na cidade toda santa semana, com destaque para A
paixão de Cristo e sua tradução cearense (“ Oh, painho, por que me abondaste,
macho”), episódio que considero o melhor, com direito ao padre no papel de Deus
e a cidade toda assistindo e dando palpites sobre a maior história de todas.
A
construção dos detalhes é muito arretada. A narração fabulosa de Falcão (a
tradição do cego que tudo vê vem de priscas eras), os figurinos e penteados, os
cartazes do cinema, o visual do bar, os sotaques, a seleção de elenco que
mescla atores conhecidos nacionalmente com atores nordestinos, a trilha sonora
bem raiz e todo trabalho da direção de arte merecem elogios.
Cine
Holliúdy é mesmo um programa ispilicute, com gosto de drops e rapadura, pipoca
e quebra-queixo! E não se avexe, Francisgleydsson, o Cinema morre é nunca
e a Televisão acaba pongando nele,
macho!