Para meu tio Auri
Cotias, que assistiu comigo atentamente ao último capítulo
A
minissérie Entre irmãs exibida essa
semana pela Rede Globo de Televisão nos encantou através de um tema que é
universal, a relação entre irmãos. Baseada no livro “A Costureira e o Cangaceiro”, de Frances de Pontes Peebles, virou filme
pelas mãos de Breno da Silveira e roteiro de Patrícia Andrade e agora esse
filme foi exibido no formato que vimos na TV (assim como Malasartes) durante
essa primeira semana do ano.
Bom começo para a teledramaturgia. O tema universal da relação entre
irmãos é um mote que atravessa a nossa cultura, mas de forma geral é contado
através da sombra rivalidade. Desde Caim
e Abel, Esau e Jacó, José do Egito, Pedro e Paulo e Yaqub e Omar
(protagonistas de Dois irmãos, de
Miltom Hatoum que também foi transformada em série pelas brilhantes mãos de
Maria Camargo) vemos irmãos brigando nas páginas e nas telas. Já nessa história,
o que se sobressaiu é justamente o contrário, o amor fraterno incondicional
entre as protagonistas, Luzia e Emília, defendidas muito bem por Nanda Costa e Marjorie
Estiano (como essa atriz cresceu desde Malhação
até aqui).
Além da trama muito bem
construída, ou melhor dizendo costurada, devemos destacar as atuações (Cyria
Coentro é uma verdadeira estrela, a cena de seu delírio e morte na rede foi
comovente), os figurinos, a fotografia, a abertura, a direção de arte minuciosa. Sobre o tema,
ponto para ideia dos destinos cruzados e inseparáveis das irmãs narrado como
uma questão aberta pela tia Sofia, a sábia que as criou. A que acreditava no
amor, não foi amada como idealizou. A que foi levada quase à força encontrou o verdadeiro
amor nos braços do mítico Carcará, mistura de Lampião com todos os outros reis do cangaço (o episódio do sal saiu de Lampião). Cidade e Sertão, Recife e
Caatinga, Luxo e Fome, Macacos e Jagunços, Ciência e Fé atravessaram os
pespontos desse tecido tão bem cozido. Vale ressaltar também, o papel narrativo
dos jornais da época, uma espécie de voz paralela que ia nos contando dos
acontecimentos com suas manchetes sensacionalistas e fotografias fortes.
A obra dialoga profundamente com nossos romances
regionalistas (realistas/naturalistas) do século XIX e com o romance de 30, com
destaque para O Quinze de Rachel de
Queiroz. A cena em que Emília recebe o sobrinho Expedito dos braços de Luzia é
muito semelhante a que Conceição toma Duquinha, até mesmo o espaço dos
retirantes (muito semelhante aos campos de refugiados de hoje) no meio da nada
e da fome e as mães com os peitos vazios pela seca que assola corpos e almas.
Outro ponto chave da narrativa foi a tal Frenologia
( de phrenos= mente e logos=
estudo), ciência que acreditava que o
formato da cabeça determinava o caráter da pessoas e a sua capacidade mental, daí tantas
cabeças cortadas para estudo na época (Ver Cesare Lombroso, pai da criminologia moderna, tem tudo a ver com isso!). O sogro de Emilia,
defensor fiel dessa crença, protagonizou algumas cenas com sua fita métrica que
achava poder explicar tudo. Ledo engano, todos ao seu redor (inclusive seu
filho para seu desespero, a homossexualidade considerada doença a ser tratatada no sanatório) traíram sua teoria. Emília, que também usava a fita
métrica como instrumento de trabalho, revelou em sua tocante carta de despedida
(cena final da série), que em matéria de gente as medidas são bem outras,
intangíveis, incomensuráveis e imponderáveis, numa bela analogia entre a
costura e a ciência.
Excelente texto, rico em
signos e simbologias (o baile de carnaval e suas máscaras que o digam), com
forte pesquisa histórica e política, diálogos impecáveis a exemplo do
rompimento de Felipe com Degas (“Minha vida andou para frente e nossa história
ficou para trás”), enredo bem cingido que nos concedeu fortes emoções como a
viuvez simultânea das irmãs. Como as Moiras ou Fiandeiras (mito greco/romano)
de Malasartes ou sem elas, parecem que alguns destinos estão mesmo cruzados e entrelaçados por fios tênues, ninguém é irmão de sangue ou da vida por acaso...Continuemos, I'm fine...