A novela A força do querer vem se destacando como uma boa novidade para o já
consagrado currículo de Glória Perez. Longe dos mundos exóticos de Marrocos, Índia
ou Turquia, toda a sua ambientação nessa segunda etapa se concentra no Rio de
Janeiro-Niterói (Parazinho volta como lembrança e com a força dos seus mitos, a
cena da rezadeira foi ótima!) com toda sua
dor e delícia, revólver e coqueiro, asfalto
e comunidade, zona sul e periferia.
Com ecos evidentes da excepcional
série americana Breaking Bad, temos no drama do casal Rubinho/Bibi umas das forças
da narrativa. Aquele bom rapaz, vizinho adorável (químico e professor como Walter
White, protagonista da série) entra para o tráfico seduzido pela ambição de
riqueza fácil e bem-estar para sua família, ameaçada pelos infortúnios econômicos.
Bibi (nossa Skyler, inspirada em Fabiana Escobar, personagem da vida real,
começa a metamorfose para a Bibi Perigosa). Uma mulher que ama demais como uma
personagem de Manoel Carlos, dantes repleta de virtudes morais e aspirante à
advogada, está sendo rapidamente levada para esse submundo em lealdade incondicional
ao seu marido.
Ela ainda não sabia, mas já cruzou a
fronteira e agora já desceu aos infernos também. Cenas simbólicas dessa
transformação foram o incêndio do restaurante, sua visita íntima clandestina e
ontem sua fuga pelos labirintos do crime acuada pelo cachorro (Cérbero). Pela
voz de uma mulher anônima no topo do morro ela ontem soube que já não há volta.
É comovente as tentativas vãs de sua mãe em afastá-la desse mundo e revoltante
para nós (sim, também sofremos e ficamos com raiva dela ) sua cegueira. Um
drama policial daqueles, mediado pelas simbólicas personagens de Jeiza e Caio,
exemplos positivos da polícia e da justiça. Jeiza O+ doa-se completamente a sua
missão e Caio está sempre intercedendo pelo bem de alguém. A sequência de ontem
foi como ver de novo Tropa de Elite.
Para dar um tom cômico nessa trama
temos Silvana e suas aventuras de viciada em jogo e suas peripécias para
continuar quebrando a banca também. Seus lances de dados ficam cada vez mais
perigosos e o pobre Eurico, que acha que tudo sabe e controla, é mais uma peça
do seu tabuleiro. Sem contar com a relação engraçada com Dita, mais que uma empregada,
uma cúmplice eficiente! Ainda para rimos muito temos Abel (Tonico Pereira é um dos nossos maiores
atores, ainda falta-lhe o papel que merece) e Ednalva, naquela já conhecida antipatia
que já sabemos onde vai dar, exatamente como em Muito barulho por nada, deliciosa comédia de Shakespeare ou para
ser fiel à cultura de Parazinho: - Quem desdenha quer comprar!
Não podemos deixar de destacar a personagem
de Nonato/Elis, interpretado magistralmente pelo jovem ator de teatro cearense
Silvero Pereira. Sua personagem literalmente rouba a cena, o desconforto do
paletó dá lugar à autoestima estonteante quando está pronta para o show. Ainda
na trilha do labirinto da sexualidade temos Ivana, a também estreante Carol
Duarte, brilhando com seu drama íntimo que aponta para a transsexualidade,
conceito de teoria de gênero ainda tão mal entendido. Vale lembrar também de
Biga (nossa Marcelina) e seu charme sexy fora dos padrões estabelecidos! Quem
precisar de Natura é só falar com ela, bela sacada ser consultora de beleza.
A autora é muito eficiente em
representar núcleos familiares, observemos que dentro de cada casa há conflitos
a ser contados, há problemas e soluções, há afeto e desavenças como em todos os
lares do mundo. A questão polêmica do tal jogo assassino Baleia Azul foi muito
bem explorada sob diversos ângulos. Glória sempre explora causas sociais em
suas histórias, só por essa exposição tão didática do que se trata essa ameaça
para nossas crianças e nossa falsa ideia de segurança “com os meninos
quietinhos no quarto” já me senti contemplada como mãe e educadora. Novela,
assim como toda arte, não é só entretenimento, pode também despertar
consciências.
Continuemos de olho e enredados pelo
Canto das Sereias, como nos ecos que aparecem nos finais dos capítulos ...Glória, Glória!