O final de As Regras do jogo já não guardava tantos segredos assim. Além do
assassinato de Gibson (o mistério foi curto, não virou uma questão nacional como
a de Odete ou Salomão), restavam poucos desenlaces. O ápice se deu no tabuleiro de xadrez com
todo os vilões reunidos na mesma sala e vestidos de preto e branco prontos para
o xeque-mate com os mocinhos Juliano-Dante(esses só mocinhos mesmo e muito bons
representantes do Bem), jogo que inspirou a trama como mostrado em sua
abertura. A luta do bem e do mal, representada por personagens ambíguas que
oscilavam o pêndulo para lá e para cá todo o tempo, jogou também conosco que
oscilamos sobre qual partido tomar. Sejamos sinceros, não somos tão bonzinhos
assim, queríamos um final feliz para Atena e Romero, e Ascânio é claro. Mas
também adoramos os casamentos e as crianças(Merlot contribuiu bastante, até a cobertura
de Copacabana ficou pequena), símbolo maior da perpetuação da vida e do final feliz em contínuo.
Vários diálogos durante a trama
reforçavam essa idéia de que não somos uma coisa só, ouvimos de Zé Maria, que
ia da extrema ternura ao bruto ódio na mesma cena, que “ninguém é uma coisa só”,
temos nossa luta diária entre nossos anjos e demônios. Romero Rômulo era o
principal símbolo dessa duplicidade, lutando o tempo todo com essas faces culturalmente
dicotômicas. Talvez sua doença, um pouco esquecida no correr da história, fosse
uma metáfora dessa luta que o punha em processo degenerativo, carnavalizado em
ritmo de rock and roll. A fala de Juliano para ele sobre sua disputa constante
na hora de apertar o gatilho foi bem emblemática e, por fim, ele optou pelo bem,
como soe acontecer nos finais. Ele foi purificado pelo amor, ainda que bandido,
de Atena e pela lembrança afetuosa de Djanira.
Penso que a questão principal da
facção perdeu um pouco o foco no correr do tempo, mas ainda assim somou muitos
acertos. Como trama realista e verossímil que foi, os ecos do momento político
estridente que vivemos reverberaram nos discursos dos protagonistas nesses
últimos dias, acertou em escancarar a força do crime organizado e seus
tentáculos em todos os espaços, além das Ongs e Fundações de fachada que
pipocam nos noticiários de tempos em tempos. Creio ainda que a novela brilhou
mais nos núcleos secundários como a excêntrica família de Feliciano e a turma
da Macaca.
A idéia da Macaca como espaço
idílico, colorido e solar onde os de fora corriam para resolver seus problemas
e crises, a despeito de que os habitantes de lá traziam outros tantos
problemas, foi muito feliz. O quarteto Oziel-Indira-Rui-Tina nos rendeu boas
cenas, o drama de Domingas e Juca foi bem explorado( dispensaria o drama deslocado e facilmente
descartável de César/Rodrigo), o universo do funk e das "Mandada" uma deliciosa caricatura, Adisabeba
poderosa como a Jocasta do Morro.
Assim vamos concluindo que não
foi uma grande trama, mas uma trama com grandes cenas e texto irretocável.
Concordemos que é muito difícil fazer outra Avenida Brasil, mas João Emanuel
Carneiro é uma estrela da nova geração e não vai viver sob a sombra de um
sucesso único, como já mostrou em A Favorita, além de contar com colaboradores talentosos como o baiano (feirense) Claudio Simões. Tony Ramos ainda consegue ficar
melhor a cada papel, aqui se metamorfoseando várias vezes para ocultar suas
verdadeiras intenções, falando eloquentemente pelo olhar e pelos silêncios.
Tonico Pereira, brilhou, solou com Ascânio, despertava em nós sentimentos que
variavam do asco à piedade em segundos, era um cordeiro em pele de lobo e vice-versa. Vamos em
frente e Vitória na Guerra pela audiência, porque segunda vamos navegar em
outras águas que já nos convidam a mergulhar nesse outro Brasil. Salve, Velho Chico!