Por quase sete meses o
Brasil parou para ver Pantanal, comoções assim em torno de uma trama das 21:00h
(21:30/21:50) eu só me recordo de Roque Santeiro, Vale Tudo e Avenida Brasil,
minha mãe me conta sobre Irmãos Coragem, que ouvia pessoas na rua gritando e
chorando “mataram João Coragem” na era dos televizinhos. O nosso país, tão
dividido, se uniu em muitas noites e em outros turnos para ver uma mulher virar
onça, um velho virar sucuri, um peão endemoninhado e uma muda que falava, mas,
bem mais que as tintas da fantasia e alegorias, os telespectadores de diversas
telas pararam para ver e rever, pois trata-se de um remake, um pedaço do chão
pouco conhecido ou retratado nas narrativas.
Conheço pessoas que não
viam mais novelas há muito tempo e retomaram o hábito, jovens experimentando
o gênero pela primeira vez, muitas assinaturas de Globoplay para quem não pode
acompanhar no horário e, nós noveleiros inveterados, encantados a cada capítulo
com algumas restrições como o figurino de Guta, a cena da violência contra
Alcides e o excesso de publicidade. O sucesso em várias faixas etárias, camadas
sociais e regiões diversas mostram o vigor das novelas em plena era das
multitelas. Aliás, a chamada segunda tela ou também a social tv reinou absoluta durante a sua exibição, uma enxurrada de
memes, bordões, opiniões, matérias diversas em vários programas e conversas
paralelas em grupos de mensagens mostram que nós ainda amamos a telinha e o pó
de plim plim da Globo.
A trama de Bruno
Luperi, neto de Benedito Ruy Barbosa, foi fiel o que quanto possível três décadas
depois da versão de 90 na Rede Manchete, num dos raros momentos em que uma
emissora bateu na Vênus Platinada, mas não era coerente manter algumas questões
com o tratamento do passado. Então fomos brindados com momentos didáticos sobre
sustentabilidade, feminismo, homofobia e outras tantas pautas em meio a uma
leva de cenas de rara beleza marcada por uma fotografia deslumbrante, texto
rico, atuações fortes e personagens que extrapolam o limite dos meus adjetivos,
como o mítico Vei do Rio, encarnado por Osmar Prado, uma inspiração clara das
veredas rosianas.
E enfim chegamos ao
grande final (ara, larga mão que eu não vou falar Grand finale, embora a
ocasião mereça pompa e circunstância). São tantos os elementos a destacar no
capítulo de ontem que terei que me limitar a alguns. Comecemos pela força da
cena entre Tadeu e seu avô Joventino que ele tanto desejava e precisava ver
para se sentir também um Leôncio, a força do afeto em detrimento do sangue (o
neto do amor) rendeu um momento de muita emoção, e na cena posterior dele com o
pai, as falas, os abraços e os silêncios tocaram fundo na gente.
Os casamentos e as crianças
coroaram os mitos da primavera, da continuação festiva da vida, do riso e da
prosperidade. Durante a festa, numa bela cena sinfônica, vários acontecimentos simultâneos
foram traçando os finais, tais como a libertação das bruacas que tomaram as rédeas
da sua vida e se tornaram amigas (Tô certa ou tô errada?), a dança de Alcides
com Zaqueu (a amizade é o tipo mais fino de amor) quebrando as bancas de muitos
preconceitos, assim como o surgimento de um par para o Peão Frosô que buscou
seu espaço à unha naquele meio tão hostil para as diferenças.
Obviamente, a morte do protagonista
e seu sonhado encontro com o pai foi forjada pelo primor estético e simbólico.
A troca de lugar para que o Véi pudesse descansar e se integrar de vez à
natureza marcou uma cena grandiosa calcada na força de muitos mitos. A voz de
Benedito Ruy Barbosa no final também traz a ideia de passar o bastão para o
neto e seus bisnetos na trama costuram a ideia do correr da vida e do ciclo
natural que age independentemente da nossa vontade.
E por falar em mitos, o
corpo de Zé Leôncio sendo conduzido no barco revisita com força a face de
Caronte. E Filó Senhora do Pantanal, com seus cabelos encanecidos assumiu seu
posto de Rainha que exercia com tanta sutileza ao longo da história. E como dezembro
vai e janeiro vem, aqui ficamos já saudosos dos rios que cortam o coração do
Brasil e esperançosos porque outras Travessias nos aguardam, mas esse berrante
fará falta...
Que comentário crítico e elegante que exala literacidade...
ResponderExcluirMuito obrigada, sigamos atentos.
ExcluirSim, Alana: foi exata e literariamente assim!
ResponderExcluirUm brinde às boas tramas!
ExcluirLindeza de leitura...
ResponderExcluirLindeza de leitora!
ExcluirRealmente o final me deixou sem fôlego com beleza e intensidade
ResponderExcluirExcelente análise. E, o final, grandioso. Valeu!
ResponderExcluirPantanal realmente entrou para a história da teledramaturgia brasileira como um monumento. Uma novela cativante. Seu texto é um resumo disso, querida professora Alana Freitas. Um abração, Fabrício Oliveira.
ResponderExcluirCaronte, e A terceira marginal do rio!
ResponderExcluirJanela de Tomar sempre!
ExcluirExemplar. Gosto muito da fluidez de seu texto, entre margens, direto a foz. Não acompanhei sistematicamente por motivos mesmo de agenda e disposição, porém assisti a alguns capítulos de maior burburinho nas redes e no boca a boca. Mas penso que você poderia pensar em um livro sobre esses estudos e análises televisivos e literários.
ResponderExcluirObrigada, caro leitor. Tenho vontade de fazer o livro sim , bem bonito cheio de imagens.
ExcluirParabéns! Você sempre nos brindando com belos textos!
ResponderExcluirNão assisti à novela, mas seu texto é maravilhoso, muito gostoso de ler. Fiquei com aquele sentimento de "por que não assisti..." Parabéns!!!
ResponderExcluirDevia ter assistido!
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