Amor
de Mãe estreou essa semana como grande promessa de restabelecer a qualidade
narrativa do horário das 21:00h, depois de duas tramas que deixaram a desejar (o gato miou e o bolo solou). Esse
é o horário nobre da telenovela por excelência, aquele que reúne milhões de pessoas em torno
da tela para apreciar sua dose diária de ficção. Da autoria de Manuela Dias,
inaugurando sua primeira novela depois de séries excepcionais como Justiça e Ligações Perigosas, aliás, o tom da primeira se faz presente com
força na novela. Os primeiros capítulos cumpriram a expectativa e foram arrebatadores!
O
tema escolhido, Amor de mãe, é universal e atemporal, atinge a todos de
variadas formas. Será trabalhado a partir de três protagonistas, Lurdes, Telma
e Vitória. Mulheres de classes sociais diferentes, mundos diferentes, mas que
se unem no drama individual e coletivo do amor incondicional aos seus filhos. É
interessante notar o cruzamento da tríade, como a trama conduz a ligação entre
elas. Todas Mães-coragem (Brecht, a carroça) lutando pela felicidade de seus
filhos, todas personagens ambíguas que borram o maniqueísmo tradicional. Embora
sejam 3 protagonistas, Lurdes parece ser o fio condutor para a história. Regina
Casé está brilhante no papel que alude a outras personagens já interpretadas
por ela no cinema (Darlene de Eu, tu e eles e Val de Que horas ela volta?),
traz consigo a força do drama, mas com aquelas notas precisas de comédia ( a cena
do dinheiro na praia, a desconfiança à primeira vista de Raul) que nos fazem
chorar e rir e torcer por ela, mesmo quando a linha da ética oscila em nome da
proteção das crias.
Em
pouco tempo já tivemos contato com cenas magistrais, como a reação de Lurdes ao
descobrir a venda do seu filho, a perda
do bebê de Vitória e o discurso de formatura de Camila, professora de História,
personagem simbólica pelo papel que ocupa e pelo momento atribulado que vivemos,
e suas primeiras aulas em uma escola pública tendo que enfrentar a realidade dura
de estrutura precária, de alunos desmotivados
e de uma rajada de tiros, mas mesmo
assim ela cantou e segue em frente e segura o rojão, podia perfeitamente ser uma cena de Segunda Chamada.
Vale
destacar que a novela, na minha leitura, não tem três protagonistas, mas sim
quatro. A quarta é a cidade do Rio de Janeiro com toda sua rede intricada de
espaços e paisagens que os cartões-postais não mostram. Observem como há cenas
externas, nas quais as ruas e suas figuras ganham vida sejam nos becos, sejam
nos ônibus, sejam nas avenidas da Zona Sul. A trama traz uma geografia social
externa e interna, mostra espaços abertos e o interior das casas, sejam nas
mansões e ilhas ou nas casas inacabadas e apartamentos populares. E esses
lugares determinam muito do tom de cada núcleo (a solidão de Lídia em sua mesa
gigante e corredores de sua mansão, a
união da família de Lurdes em sua cozinha apertada onde todos se encontram todo
tempo, o velho restaurante e a velha casa de Telma e seu apego ao passado). O
espaço adquire feição de personagem e dialoga com a narrativa.
Muitos
pontos altos merecem nota, a escalação de atores, o texto, os flashbacks
sofisticados, o ritmo rápido, a película
de cinema, a tensão constante, a trilha
sonora diversa e escolhida com primor (de Fábio Junior a Aznavour passando por
Bethânia e Gonzaguinha e cia, É foi
também trilha de Vale Tudo!), os cenários, os intertextos (Gabriela contemporânea
tira drone do telhado). Como foi já veiculado em entrevistas, na trama não há
grandes vilões, a vilania está na própria vida com suas agruras diárias, há
algumas personagens que encarnam o mal em algumas ações como Sinézio, Vera, ou
o empresário ambicioso (Irandhir surpreendendo em um papel que nunca fez) mas
que não chegam a serem os grandes opositores, essa estratégia traz um sopro
novo para a teledramaturgia, assim como o fato de não termos um par romântico
no centro do enredo. É a vida, o destino
e as condições sociais que costuram o bem e o mal e as dores e delícias...De ser mãe e
de ser humano... Sigamos com fé que a gente não pode deixar de sonhar !!!
Não costumo acompanhar as novelas, mas sempre dou uma olhada quando alguém está assistindo. Ai aproveito para saber o que está acontecendo de real pelo país das maras maravilhas.
ResponderExcluirO que me desperta interesse, mesmo, Alana, é o excelente nível das suas intervenções; essas capazes de fazer o público noveleiro perceber mais e melhor o mundo em nossa volta.
Ainda bem que existem entretelas, título já rico e polissêmico.
Obrigada, caríssimo Cid. Um elogio seu vale ouro com diamante! Lembro que no começo você resistiu ao objetivo do blog, recebo com alegria sua leitura refinada.
ResponderExcluirCresci com minha mãe acompanhando tooooodas as novelas, ai de quem fizesse barulho na sala! Kkkk por achar que essa programação roubava o meu tempo de partilha com a minha preciosa, desenvolvi uma certa aversão e não assisto. Porém, a partir do contato com os textos produzidos pela pró Alana começo a ter um tanto de interesse em assistir. Parabéns, pró, pela análise sóbria e envolvente.
ResponderExcluirObrigada, cara leitora, bom saber dessa influência de meus textos em sua postura diante das tramas...Há muita coisa boa nelas!
ExcluirJá faz um tempo que não acompanho novela, mas ainda não perdi nenhum capítulo de amor de mãe. Tenho observado, para além das atuações, os cenários, as locações, é tão diferente de todas ostentações que a Globo sempre mostrou no horário nobre. Tomara que eu continue. Por enquanto estou gostando. A sua análise foi ótima.
ResponderExcluirObrigada, cara Leitora. A paisagem fazendo toda a diferença na trama, nos obrigando a ver além.
ExcluirAlana, tens sido para nós, teus ávidos leitores, como se fosse uma co-autora dessas obras que a Globo vem nos presenteando nos últimos anos. O que fazes aqui é um letramento sobre a arte de fazer novelas e séries e filmes: enredo, cena, cenário, atuação, direção, locação, guarda-roupa, produção, fotografia, script e personagem. Sim, há também o etcetera e tal que se faz a cola de tudo isso a nos estremecer.
ResponderExcluirDizer, ou melhor, categorizar a locação como protagonista do enredo é de uma sensatez observatória digna de júri de festivais de cinema pelo mundo a fora. Sim, o Rio de Janeiro tão senhor de si e figuraça nas produções globais, nunca antes fora mostrado tão sequelado, tão exposto ao repúdio, medo e soslaio dos telespectadores do horário nobre. Os cenários são tão gente, tão áridos (mesmo a mansão linda e enormemente vazia de Lídia com vistas para um mar que jaz), tão mãos que não mais afagam por não saberem o quão milagroso é o toque no/para outro.
Sinto e vejo que essa história contada, não por acaso, por uma mulher, uma mãe, traz algo que não via há algum tempo nos folhetins globais: gente com cara, jeito e olhar de gente real: os personagens construídos parecem com as pessoas que alguns atores são na vida real; é como dizer, se é possível tecer sem milindres tal comentário, alguns ator/atriz estão, em muito, representando a si mesmos, na linha tênue entre a vida e a arte. Ouso dizer que Regina Casé - tão necessária à trama e a tantas outras novelas que infelizmente ela não contracenou - nunca foi tão Regina Casé atuando, como nessa história de mães. É tão realista a atuação dela na Lurdes, que estou sempre a marejar os olhos quando ela aparece e rouba a cena. Poderia falar de outros personagens que são seus atores, mas não cabe "bainhas" nesse linho fino escolhido magistralmente por Manuela Dias.
Volto à cidade, à Cidade Maravilhosa, a quarta protagonista revelada por ti, Alana, e sei que já há muitas coisas a dizer sobre essa personagem, mas prefiro observá-la com cautela, de pouco a pouco, como se turista eu fosse e, devagarinho, vou ao encontro de suas belezas e mazelas como bem cantou Caetano _que menos a conhecerá e mais a amara_. No mais e por enquanto, pois cedo é, e o dia é longo nesse enredo tão gente que faz, aproveito os intervalos e leio um velho livro de poesias encontrado jogado em um canto da casa. Abro as páginas e começo a ler com um _amor de mãe_ os versos do poeta...
"Vi todas as coisas e maravilhei-me de tudo.
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco, não sei qual, e eu sofri.
..."
Caríssimo leitor, que alegria ler seu comentário, muito além de um comentário, uma ode à arte de ver, de ver e de enxergar além, de ver e fazer sentir o que a trama nos dá sob as camadas dos muitos tecidos da trama. Abraços comungantes, continuaremos sempre em diálogo.
ExcluirEquilíbrio nítido entre o texto,a direção de arte,o elenco,o cenário e a trilha sonora,resultando em doses de realismo e narrativa inovadora.Excelente novela!
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