Instagram

https://www.instagram.com/entretelasblog/

domingo, 8 de setembro de 2019

Bom sucesso da Literatura: Da inserção do livro como personagem e narrador




                                                       Para Flávia Aninger, uma das melhores leitoras que conheço...

A novela Bom Sucesso de Paulo Halm e Rosane Svartman tem se destacado como um agente de letramento poderoso que entra em nossas casas trazendo o benfazejo sopro da arte literária. A cada dia, ao acompanhar a trama que gira em torno da inusitada amizade entre Alberto e Paloma, ganhamos de presente inúmeras referências clássicas da literatura que vão desfilando de forma prazerosa diante dos nossos olhos.

Aliás, sobre a amizade dos protagonistas vale ressaltar a citação a dois filmes magistrais sobre amigos improváveis Vitória e Abdul (amizade entre a Rainha Vitória e seu súdito indiano já no final de sua vida) e Intocáveis (amizade entre o milionário tetraplégico e seu irreverente enfermeiro). Como na novela, os dois mundos distantes se cruzam e ambos aprendem muito sobre o universo do outro e se modificam a partir dessa convivência.

Podemos atribuir à novela dois adjetivos que já ocupam local de força na nossa cultura: Quixotismo e Bovarismo. Tanto no romance de Cervantes como no de Flaubert os protagonistas pautam sua existência a partir da influência de suas leituras, comportamento adotado por Alberto e Paloma e que também se faz presentes em outras personagens (Alice, Luan, Marcos e praticamente todos que trabalham na editora).

A inserção do livro na trama nunca é gratuita, é como se cada citação funcionasse tanto como personagem ou como narrador que antecipam alguns motes da narrativa. Ao ler A Letra Escarlate (Nathaniel Hawthorne, 1850), Paloma sofre o drama da angústia do adultério, evidenciando o dilema que vive entre Ramon e Marcos. Mesmo procedimento com a leitura de Otelo (Shakespeare, 1603), obra-prima sobre o ciúme, ou Dom Casmurro (Machado de Assis, 1899), obra-prima da dúvida, vale ressaltar que Machado de Assis dialoga com Otelo todo tempo no seu magistral romance. Paloma então se vê como Desdêmona e Capitu, vítima do “monstro de olhos verdes”.

A novela traz no centro da narrativa o mercado editorial, através do declínio da tradicional Editora Prado Monteiro (sobrenome que homenageia merecidamente Caio Prado Junior e Monteiro Lobato fundadores da Editora Brasiliense) que não encontra mais espaço para os tipos de livro que publica e precisa se render às biografias das celebridades para seguir de pé.  Uma excelente reflexão sobre os hábitos de leitura dos nossos tempos que consagram os youtubers como fenômenos das redes que migram para os livros. Recomendo olhos atentos para todos que trabalham na editora, dali brotam cenas incríveis com uma interessante diversidade de personagens. 

Ainda vale ressaltar que afora esse universo riquíssimo de referências, Bom Sucesso é uma história gostosa de acompanhar com vários núcleos interessantes como o da Escola Dias Gomes (onde pulsa Esporte, Poesia e Rap, Rhythm and Poetry) e seus dramas comuns ao universo adolescente, com a presença de uma professora que tenta com todas as armas salvar seus alunos, o antagonismo entre o mundo dos ricos e dos pobres todos com seus sofrimentos e alegrias (Nana lendo Cem anos de Solidão para seu pai no hospital foi emocionante), as traições de um vilão malvado, o universo do samba entre outros.  O fato de Paloma ser uma costureira que vai com sua linha e agulha tecendo sua existência entre todos esses universos nos põe encantados e dispostos a seguir acompanhando essa história tão vivificante.

No início da novela, quando Paloma acha que vai morrer pela troca do exame (no laboratório Flaubert), elemento que fez seu mundo se cruzar com o de Alberto, na aula de literatura a professora lia A morte sempre chega  cedo de Fernando Pessoa. Encerro essa nossa conversa com esse belo poema, para nos lembrar que enquanto A indesejada das Gentes não chega devemos iluminar nossa alma com o que há de belo na vida, a literatura é sempre uma boa companheira de jornada:

A morte chega cedo,
Pois breve é toda vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.

O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.

E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.




13 comentários:

  1. Como sempre, Alana, belo texto! Estou amando esta novela! Bjos, Ângela Vilma.

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pró pelo texto e lembrar autores consagrados da nossa literatura como Monteiro Lobato e Caio Prado Júnior. A novela a cada dia mostra o poder da literatura.Otima analise acerca dos youtubers que ganham espaço mais e mais.

    ResponderExcluir
  3. O fato de você assistir á novela já mostra sua qualidade! Sigamos lendo vida à fora!

    ResponderExcluir
  4. Mais um dos teus textos fantásticos, Alana! Parabéns pelo finíssimo olhar sobre as obras!

    ResponderExcluir
  5. Sua palavras iluminam e inspiram, pró Alana. Parabéns por toda sabedoria! Estou amando a novela. Fiquei emocionado ao ler o poema "A morte sempre chega cedo" de Fernando Pessoa.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  6. O poema é muito forte! A novela é um presente para leitores!

    ResponderExcluir
  7. Nunca assisti a um capítulo da novela, mas, pela sua análise, percebo que perdi belos e raros momentos da tevê. Parabéns pelo texto, Alana.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, caro colega. Bom te ver por aqui. Dê uma chance para a novela, você vai gostar.

      Excluir
  8. Sigo a novela desde o início e agora com o seu olhar quero ler as obras citadas.Obrigada Pró Alana.

    ResponderExcluir