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domingo, 26 de maio de 2019

A dona do pedaço: Uma receita de sucesso


Existem poucas histórias, é a maneira de contá-las que faz a diferença” Daniel Filho

A epígrafe que abre este texto, da autoria do ator diretor Daniel Filho, um dos grandes nomes da televisão do Brasil, expressa as minhas primeiras impressões sobre A dona do Pedaço, novela de Walcyr Carrasco com direção acurada de Amora Mautner, que estreou trazendo sabor novo ao horário nobre. Ele que é um chef em misturas exitosas como Chocolate com pimenta, parece que nos brindará com outro cardápio saboroso.
Estruturada nos elementos centrais do folhetim e do melodrama, a novela trata de amores impossíveis, famílias rivais, crianças perdidas, mocinha virtuosa, vale de lágrimas, segredos guardados, dentre outros fios tradicionais da telenovela. Temas que já vimos em tantas outras tramas nas telas e nos livros, mas ainda são capazes de nos comover e nos por diante da televisão (ou do smartphone, em tempos de segunda tela) a torcer pela felicidade de Maria da Paz. Como na frase de Daniel Filho, é a forma de contar que nos põe entusiasmados a assistir a mesma história contada de outra maneira. Os ingredientes do bolo parecem conhecidos, mas a forma de misturá-los e a apresentação da receita faz o já visto parecer novo diante de nós. E lá estamos a degustar nossa fatia diária...
A novela iniciou com muita força e repleta de simbologias. Numa espécie de lugar perdido no Brasil profundo, Rio Vermelho, duas famílias de pistoleiros rivais vivem em eterna disputa, onde cada morte é vingada seguindo a Lei de Talião. De um lado, os Mateus, do outro, os Ramires (remete aos Badarós e aos Silveira de Terras do Sem Fim de Jorge Amado), e para desequilibrar essa eterna guerra de sangue, brota o amor de Maria da Paz e Amadeu (nomes motivados, trazem a aliança em seus significados).
 Um amor que nasce na natureza, longe da cultura e das convenções, ele a salva do galope do cavalo, lhe dá água, ela lhe dá seu corpo e sua alma. Vale destacar, no campo dos símbolos, tendo no centro o sangue, a cena na qual a matriarca (Fernanda Montenegro, não há adjetivos para te louvar) treina as crianças atirando nas chamas das velas, metáfora da vida. Só Maria da Paz não acerta, indicando ali que a sua chama continuaria acesa e que ela não nascera para aquele destino. A sua chegada na Rodoviária de São Paulo rezando o salmo 23 foi uma cena forte e bem realizada, mostrando sua singularidade em meio à multidão que por ali chega todos os dias.
O capítulo de sexta-feira (24-05) foi icônico, enquanto Maria da Paz começava a dar seus passos que a tornará A dona do pedaço, ao lado de um núcleo cômico cativante, bem ao gosto dos clowns de Shakespeare, formado por atores de excelência (só não foi uma boa escolha Beth Farias como mãe de Nanini, a diferença de idade é inconcebível, literalmente, até brincaram com o seu biquini), sua avó cobrava a dívida familiar com mãos de ferro e força mítica. Matou seus inimigos e ateou fogo na casa rival, mais simbólico impossível, numa sequência de ação e emoção notáveis. Antes de morrer, a mãe coragem em sua carroça, arrancou o segredo que ali fora buscar, é preciso encontrar as crianças, a continuação do clã, juramento que moverá os Ramires. Destaque para o papel do padre, um veículo constante de apaziguamento.
Do outro lado do Brasil profundo, em São Paulo, outro país pulsa. Com suas personagens de um Brasil real, a professora aposentada com seus proventos minguados e coração gigante, o drama dos sem-teto amainados pela comicidade, o esnobismo da alta burguesia (Nathália Timberg divina), universo outro que atravessa o destino da protagonista, que como ela afirmou, se veste de esperança. Em suas costas, outro acordo será selado pelas mães sobreviventes, a morte dos amantes, para elas essa união é impossível, só gera tragédia. Como em O Seminarista de Bernardo Guimarães, a família sustentará essa falsa morte para enterrar o amor impossível, mas é claro que ele voltará com força...
Destaquemos ainda a beleza estética da trama com fotografia belíssima, cenas campais, sol que nos incandesce, interpretações viscerais, com menção honrosa para Luiz Carlos Vasconcelos, trilha musical bem brasileira e vivificante, abertura saborosa que deixa a gente com aquele gostinho de quero mais...Ao final, é isso que toda boa história nos provoca, o desejo de querer mais um pedaço...De bolo e de ficção...

12 comentários:

  1. Caríssima, está tudo dito aí no teu texto: os ingredientes do bolo bem medidos para não solar, afinal, como diria minha mãe... "Todo o segredo está na mão de que faz a comida". Como bem-dito por Daniel, por ti e por mainha, é a maneira de contar, de fazer que trará sucesso ou não no final. Vimos na nova trama resquícios e respingos - como se ingredientes do novo bolo fossem - de várias outras histórias já contadas por Jorge, por William, por Bernardo e outros e outras vozes soberbas das boas letras. Atuações dignas de suspiros, elenco do Olimpo, enfim, um deleite para a ceia de todos que estão a acompanhar a trama de Carrasco, esse que traz sempre essa "forca" do bem para a TV. De tudo, só não apreciei o título do folhetim, mas entendo da necessidade de atrair novos públicos com as lexias da modernidade atual. En-começo, vejo uma novela boa, um texto de segunda tela ou social tv tão a altura do folhetim, muita vontade de acompanhar a trama e, como cereja do bolo, te digo, Alana, pode servir o vinho. Ponto.

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  2. Delicioso comentário, leitor alquimista...vamos assisti-la alimentando nossa Social TV..

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  3. Olá querida, depois do banho de sangue de o Sétimo Guardião, a Dona do pedaço que deveria ser mais leve, começa com banho de sangue também, refletindo uma violência que o público está cansado de ver, história repetitivas cansa o público, como bem vc começa seu texto, a maneira de contar diferencia, mas a Globo vem se repetindo nas novelas do horário, contando histórias repetitivas e deixando atores de excelência sem muito o que fazer, claro que tivemos um banho de interpretação de Fernanda Montenegro, espero sinceramente não me decepcionar, assim como me decepcionei em o Sétimo Guardião. Bom texto, ótima análise e parabéns.

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    1. Cara Mara, parece-me que esse início violento será sepultado em nome de uma outra lógica, mais urbana, na qual o mal vem de outras formas que não sustentado nas armas de fogo. Creio que o grande lance será a superação e a ascensão de Maria da Paz. Gostei muito desse início, achei a violência planejada para dar esse choque com a segunda fase. É um prazer ter uma leitora dessas!

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  4. O banho de sangue é atual. Adorei o comentário de Alana. Diz quase tudo. Mas repousa nesse quase o diálogo que Carrasco trava com temas do Brasil atual. Ora, a família Rodrgues mata contratada, crime de mando. Eis o Brasil das milícias. Existem no cenário arcaico da ficção e ocupam hoje as manchetes. A família oponente é composta por proprietários que querem ampliar suas posses. O primeiro crime exibido: Rodrigues executa um membro da família Mateus porque para isso foi contratada. O assassino julga- se um cidadão de bem. Entra em casa e acaricia a filha, dizendo que " o mais importante é a família", ou seja: " a família acima de tudo". Julga- se cidadão de bem e mata, pensando que o pecado da morte é do mandante. Já os Mateus, que desprezam o crime executado por dinheiro, matam por amor aos seus privilégios e a uma ordem que os garante. Matam todos os que ameaçam a manutenção dessa ordem e desafiam seu comando. Não mandam matar, julgam e matam. As 2 famílias têm crenças, são católicas e se veem no direito de decidir quem vive e quem morre. São milicianos de um lado e poderosos senhores de outro.Como a trama não se passa em contexto pré- moderno, a presença do Estado se faz sentir e tensiona os poderes paralelos que as famílias representam. Há que anular essa interferência. Mateus vocifera: o delegado é nosso. Trata- se de imiscuir, na instituição, isto é, no aparato do Estado, o poder paralelo. O costume tem seus tentáculos. Ao encontrar uma criança nas ruas, o casal de classe abastada sabe que deveria conduzir a criança ao Conselho Tutelar. No entanto, chama um advogado para azeitar o caminho até a posse da criança, obtida ao " suspiro da lei" . Ancorado na suspeita de ineficiência do Estado e das suas instituições, o casal age em benefício proprio e talvez em detrimento de outra família. Outro tema crucial é armamento e desarmamento. Como destaca Alana, a cena das velas foi magnífica. Maria da Paz não apaga a chama da vida e propõe o pacto entre os semelhantes; o que poderia ser início de um pacto social. E aí veio a mais forte fãs imagens: as armas lançadas sobre a mesa, a deposição das armas como solução que não se impôs porque a avó, representante da lei arcaica com base na vingança pelas próprias mãos, manteve a própria arma e a ergueu dentro da igreja. Nesse instante, a igreja entrou em cena como espaço violado. Ter a Globo contra nós (erguendo a bandeira da malfadada reforma fã previdência de Guedes como uma panaceia capaz de resolver os males do Brasil) é um inferno. Mas ter a Globo contra o armamento da população e contra a força das milícias pode ser um grande lance. No bojo, W Carrasco e seus auxiliares conseguiram um discurso forte sobre o Brasil. A força veio nessa primeira semana com a direção de Amora Mautner, com a poesia visual criada pelos responsáveis pelas imagens; e com o trabalho excepcional de atores como Fernanda Montenegro e Luis Carlos Vasconcelos. Ainda bem que vi a primeira semana. Não creio que a excelência seja mantida. Vem aí talvez um núcleo cômico desperdiçando Nanini, uma estereotipia situando a genial Timberg ao lado da caricata Murtinho. E vêm aí modelos tomando o lugar das verdadeiras atrizes. Fica o talento de Juliana Paz, infelizmente condenada a contracenar com atores que não estão à sua altura.

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    1. O comentário que começa O banho de sangue...foi escrito por Mirella Márcia Longo. Esqueci de assinar

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    2. Mirella, caríssima, acho que reconheceria seu comentário mesmo sem assinar, estilo e repertório inconfundíveis. Obrigada pelo diálogo e leitura colaborativa. De fato, a novela é rica de simbologia e as armas dizem do que vivemos hoje. A arte a pontuar a vida! Sigamos experimentando esse bolo fino!

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    3. Alana, esse comentário junto ao teu fundem-se em um artigo digno das grandes revistas que circulam no país. Sine qua non.

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  5. Alana, querida, seus textos sempre são maravilhosos! Eu, noveleira que sou desde sempre, aprendo sempre ao lê-los.
    A Dona do Pedaço, com certeza, já é uma novela arrebatadora e nos deixa com gosto de quero mais a cada capítulo. Aguardemos os próximos!
    Beijos

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    1. Obrigada, cara leitora! Um prazer você por aqui...Sigamos apreciando nossa fatia diária.

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  6. Olá Alana. Não tenho assistido às últimas novelas. Dessa, vi parte de um capítulo, e me chamou a atenção a fotografia, de fato, belíssima.Vou tentar ver mais informações um pouco. Quem sabe, como você, me encanto também!

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    1. Obrigada, amigo leitor! Espero que tome gosto por esse bolo para que a gente possa dialogar!

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