Em
1995, portanto no século passado, Glória Perez em Explode Coração já sacudiu/confundiu o Brasil com Sarita Vitti,
personagem Travesti ou Drag Queen (talvez nessa época os nomes não eram tão importantes ou definidos ainda nesses
termos), interpretada pelo ator Floriano Peixoto, em primeiro papel na
televisão. Numa época na qual ainda não havia as redes sociais e seus
megafones, o assunto foi bastante polêmico
e de vanguarda. Já naquele tempo, Glória desenhava essa personagem de difícil
contorno para os padrões da época com as tintas da humanidade, focando no drama
humano de ser diferente do que se espera e como lidar com isso numa sociedade
hostil e que rejeita, assim como Narciso, o que não é espelho. E assim ela
continua com seus pinceis e teares encantados...
Passados
22 anos, em outro século, o tema volta em sua trama A força do querer com
vigor e complexidade e ainda gera polêmica. Temos em
cena Nonato (Silvero Pereira), de
dia vestido no seu paletó e gravata que parecem sempre apertados e de noite se traveste de
Elis Miranda, cantora performática que irradia alegria assim caracterizada. Se define como um travesti e se aceita com seu corpo assim como ele é. Em justaposição
(porque não se trata de outro lado), temos Ivana até ontem, agora Ivan (Carol
Duarte), que depois de um longo processo de crise existencial se descobre
Transexual. O processo de descoberta e transição de Ivana foi lento e doloroso
(continuará sendo), acredito na intenção pedagógica da autora em exibir todo o
entorno da complexa questão, pois houve um investimento em muitas cenas
didáticas sobre o assunto.
Ao
por Elis e Ivan em diálogo, a primeira passou a ser uma espécie de fada
madrinha e anjo da guarda vigilante de toda família Garcia (seu desempenho vem
crescendo e ocupando vários espaços, quando Eurico o descobrir, o coitado que
acha que sabe de tudo, não poderá mais viver sem sua amizade!), foi no pequeno
apartamento de Elis que Ivana conseguiu decidir sua dolorosa metamorfose e
enfim tomar a decisão de comunicar a família sua condição. O colo e as
almofadas acolhedoras de Elis funcionaram como uma espécie de útero para gestar
o Ivan que nasceria em breve. Mas para nascer Ivan, há de morrer Ivana, daí a
cena dramática de ontem, vivida mais intensamente por Joyce, mãe que desejou uma
filha à sua imagem e semelhança com todos os códigos femininos que ela acredita
ser fundamental para ser uma mulher feliz.
A
cena, ritual sacrifical de morte de Ivana representado pelo corte dos cabelos,
marca feminina por excelência (ecos de Camila em Laços de Família) foi
realizada com uma forte carga emocional. Joyce em posição de Pietá, chorava a
morte de Ivana, e Ivan nascia chorando como um bebê que vê o mundo pela primeira vez. A mater dolorosa, enlutada, agarrada aos
fios do cabelo de sua menina, fez o Brasil se emocionar.
O
espelho, antes motivo de tortura para Ivana, começou a dar sinais positivos
para Ivan, que começa a se encontrar. Não posso avaliar como deve ser dolorida
essa travessia, essa transformação, mas acho que a trama acertou em mostrar
primeiro que é no seio (bendita metáfora!) da família que devemos ser
compreendidos e aceitos primordialmente, para depois partir para o desafio inóspito
das ruas (outras tantas cenas já foram mostradas com Ivan e com Elis sobre a
barbárie das ruas contra os “diferentes”). A autora é famosa por introduzir
questões sociais e reais em suas novelas, acho que está acertando em cheio em
nos esclarecer sobre uma questão tão pulsante e necessária. O conhecimento
liberta, gera a empatia, promove a compaixão, que significa etimologicamente
sentir com o outro, e podemos sonhar por alguns minutos com um mundo mais
acolhedor como são os braços de Elis Miranda... But I see your true colors, Continue Glória!
P.S. A autora não criou o tráfico no Rio de Janeiro.
Foi bastante impactante e poético o capítulo de ontem. A arte e sua potente injeção do sentir/pensar. Uma delícia de texto, obrigada
ResponderExcluirObrigada, cara leitora! É sempre um prazer receber vc por aqui!
ExcluirMuito interessante e pertinentes suas colocações, Alana, sobre transgêneros e outros assuntos afins na draturgia.
ResponderExcluirA autora não criou nem o tráfico nem está influenciando influenciando tal cultivo. Muito pelo contrário, está mostrando a influência que esse mundo das drogas é capaz de fazer na vida das pessoas envolvidas conduzindo a enveredar por caminhos nunca antes percorridos e perigosos.
Concordo plenamente, acho leviano acusar a novela de glamourizar o crime. Chama nossos olhos, justamente, para os riscos das escolhas!
ExcluirEm Glória Perez sempre foi fértil o espectro da verossimilhança. Isso agoniza os leitores mais referenciais. Aqueles que batem no vilão quando o encontra na rua. A cena de ontem segue o mesmo modelo e mostra a dor de quem tenta fazer *travessia*, como Alana registra. Certamente o recorte novelesco irá servir de vozes intertextuais para outras narrativas.
ResponderExcluirObrigada, caríssimo leitor. Continuemos a correr à pena e ao teclado! Apareça na UEFS!
ExcluirAlana, outro dia comentávamos a demora da transformação (tão aguardada) de Ivana. Agora entendo a simbologia...era pra ser demorado mesmo, sofrido, penoso...como deve ser para os trans que vivem o dilema na vida real. A cena da morte e (re) nascimento de Ivana/Ivan foi emocionante! Ótimo seu texto, adorei!!
ResponderExcluirObrigada cara leitora, continuemos embaladas nas emoções!
ExcluirAlana, outro dia comentávamos a demora da transformação (tão aguardada) de Ivana. Agora entendo a simbologia...era pra ser demorado mesmo, sofrido, penoso...como deve ser para os trans que vivem o dilema na vida real. A cena da morte e (re) nascimento de Ivana/Ivan foi emocionante! Ótimo seu texto, adorei!!
ResponderExcluirMaravilhosa sacada da relação de Joyce com a Pietá!! Olhando com suas lentes, a cena ficou ainda mais bela!! Parabéns!!
ResponderExcluirObrigada pela a leitura atenta e colaborativa!
ExcluirMuito bom, Alana! Adorei o seu texto, revivi as emoções do capítulo de ontem. A questão da empatia que você citou, é sensacional, pois coloca a sociedade na pele dos personagens, isso é preciso!
ResponderExcluirBeijão!!!
Acho que é o mais importante, a novela vai além de entretenimento e colabora com a sociedade!
ExcluirAlana, excelente seu texto. Depois, ainda ouço algumas pessoas dizerem que quem assiste a novelas não tem o que fazer. Duvido que vejam e escrevam como você o faz. Parabéns.
ResponderExcluirObrigada, cara leitora! Quem diz isso não nos conhece!
ExcluirConcordo. Nesta última telenovela, Perez tem acertado muito e evitado os erros cometidos em trabalhos anteriores (seus e de colegas autores).
ResponderExcluirAmei o post scriptum.
Um abraço.
Também amei!
ExcluirP.S Continuemos em diálogo!
Permitir a si e ao outro.
ResponderExcluirA problemática da questão de aceitação de Ivana também me faz refletir questões "menores" de não aceitação do que o outro escolheu, seja como profissão, parceiro (a)...
Um abraço e grata pelo texto, profa.
Obrigada, é verdade nos leva a ampliar o olhar sobre diversas aceitações...Continuemos em diálogo!
ResponderExcluirGostei muito do texto, interessante abordar sempre esse assunto q tão polêmico é. A novela nos mostra realidade q são vividas e por sua vez gera discussões q não são necessárias. Parabéns Alana
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