A nova novela da Rede Globo das
21:00h, A força do querer, da
premiada Glória Perez, parece trazer nos seus primeiros capítulos um colorido novo
para o horário. Contrastando com sua pálida antecessora que nos deixou com sede
de boa ficção, salvo alguns capítulos e personagens aqui e ali isolados.
A autora sabe explorar muito bem
os contrastes desse nosso país. Belém e
Rio de Janeiro, rural e urbano, Zona Sul e Zona Norte, o folclore de nossas
lendas e o jogo do poder das grandes empresas, alta sociedade e trabalhadores comuns, madames
e cabeleleiras, gente que vai a restaurantes refinados e outras tantas que se
divertem de pé em rodas de samba e na gafieira (sempre
uma presença em suas tramas). Tais dicotomias nos remetem a um Brasil bem Barroco,
talvez o melhor movimento artístico que nos represente, marcado por seus
extremos antagônicos, uma das nossas marcas culturais e identitárias. Justamente
como canta Caetano na sua bela Quereres,
música escolhida sob medida para a abertura
da novela, sua letra é toda construída por imagens antitéticas.
Paralelos aos quadros sociais
opostos, temos dramas familiares e individuais que valem nossa atenção. Um pai amoroso que vê seu filho
cair no canto e encanto de uma ”sereia” exageradamente sensual (Isís Valverde está se especializando nesse
papel) e luta contra essa obsessão do filho. Uma mãe que projeta na filha seu
ideal de mulher/diva/capa-de-revista e sofrem as duas por não encontrarem essa
tal imagem no espelho. Uma dama da sociedade viciada em jogo que ameaça sua
estabilidade familiar em nome da adrenalina das apostas. Um executivo que em
nome da empresa familiar renunciou sua felicidade e agora tenta resgatar seus
verdadeiros desejos. Empregadas que são confidentes e esteios de suas
patroas. Uma mãe de adolescente cosplay
que não sabe mais quem é seu filho, dentre outros conflitos que já se anunciam
nesse início da narrativa.
Mas parece que a grande questão
da trama é aquela que vem estampada no título e cantada na abertura: A bruta
flor do querer, melhor fica entre
suspiros como nos versos da canção: Ah!
Bruta Flor, bruta flor...Todos se debatem entre os seus quereres...Entre o Princípio do Prazer(PP)e
o Princípio da Realidade(PR), como bem cunhou nosso gênio Freud.
A passional Bibi (Juliana Paes muito
bem em mais um tipo popular) largou um noivo morno que lhe acenava com um
futuro promissor, para viver um amor arrebatador com um garçom que lhe cobre de
mimos sob um regime de penúria, para desespero e incompreensão de sua mãe (Sogra
com letra maiúscula, que parece gritar a todos os instantes que” amor não enche
barriga”), escolheu o PP e amarga uma
realidade dura. A nossa sereia se vê dividida entre o querer dos braços seguros
de Zeca e a infinidade de seus sonhos,
ilustrada pelo mundo novo que Rui pode oferecer, eles protagonizam a profecia
do primeiro capítulo, o perigo que vem das águas.
Aliás, pelo já visto, os triângulos e a complexidade de nossas escolhas serão
motes presentes em vários núcleos. Paolla de Oliveira, linda de morrer como a
policial lutadora Jeiza O+, se debate entre seu sonho
profissional arrojado e o equilíbrio da vida afetiva, assim como muitas outras
personagens que se dividem entre os seus quereres e os quereres dos outros, entre o que queremos e o que esperam da gente.
Glória Perez é uma Sherazade
competente no retrato de conflitos sociais, familiares e individuais seja nos Caminhos
das Índias, no Marrocos ou nos salões e subúrbios cariocas, com muitas cores que não sei o nome, talvez de Almodóvar ou de
Frida Kahlo. Ela também foi pioneira em trazer o marketing social para dentro
da ficção, quem não se lembra das mães da Cinelândia em Explode Coração (1995)
que buscavam por seus filhos desaparecidos? Proporcionando à teledramaturgia uma papel
inestimável! Qual será o tema dessa vez?
Salve, Glória! Continuaremos
atentos aos seus fios coloridos e saias rodadas da ficção e enredados no seu doce canto, enquanto nos balançamos no sofá ao som do contagiante carimbó ...
PS. Recolhendo elementos para
Novo Mundo!