Mais
um janeiro se anuncia nesse fim de dezembro que teima sempre em ser agridoce. Como
nos versos do belo poema Reinauguração de
Drummond “Entre o gasto dezembro e o
florido janeiro, entre a desmistificação e a expectativa,
tornamos a acreditar, a ser bons meninos, e como bons meninos reclamamos a graça dos presentes coloridos”....Não
podíamos findar 2016 sem uma última postagem no nosso Entretelas, espaço de
diálogo entre Literatura e Teledramaturgia, Cinema e Séries (essa última ainda
em débito pela falta de tempo e jeito dessa escriba com tantas novidades no tsunami
da Netflix, confesso que perco mais tempo olhando o menu que assistindo e me
apego a algumas e fico revendo). Como a época é propícia para os balanços e
promessas, falemos um pouco de 2016 e de
coisas futuras...
Julgo
que na teledramaturgia o ano foi de duas novelas: Velho Chico e Êta mundo bom!
Nas águas do Rio São Francisco, tivemos um espetáculo diário de dramaturgia,
incompreendido e rejeitado por muitos, que não conseguiram navegar na barca das
alegorias propostas pela trama. Não adiantou o velho testamento todo e suas
pragas, Benedito Ruy Barbosa (e Cia) e Luis Fernando Carvalho mergulharam fundo
nos grotões do Brasil sertanejo com suas lendas e encantados, coronelismo e
utopias que saltaram da ficção para a realidade com câmaras de vereadores
invadidas no país com as bênçãos de Bento dos Anjos, e realizaram uma grande novela.
Com
fortes diálogos com a literatura brasileira canônica e popular e ainda
salpicadas de mitologias e clássicos diversos, a novela nos deu cenas
memoráveis como a das chuvas, proteção de São Jorge e outros guardiões, planos
paralelos e tantos outros diálogos de rara beleza, com uma trilha sonora
incomparável a reger a trama (Haverá doravante sempre um rio afogando em nós).
E ao final a vida deu uma senhora rasteira na arte, mitificando ainda mais a
trama já tão cercada de mistérios. A morte do ator protagonista em plano real
no fim da narrativa foi tão inverossímil que não soubemos por alguns dias que
dramaturgo malvado rascunhara tão perversa sequência e mesmo assim o show teve
que continuar e continuou exigindo um sacrifício doloroso para o elenco
e não menos para os expectadores...
Êta mundo bom! nos
trouxe para aquela leveza ingênua das tramas das 18:00h, horário em que
precisamos do riso leve e descomprometido que nos faz pausar da agonia do
cotidiano. E Candinho, Policarpo e sua bela trupe (bem mambembe mesmo, com
destaque para o grande Nanini e seus múltiplos) nos fez meninos alegres que
acreditam que o bem e o mal é assim mesmo
tão dividido. Com um bom caldinho de referências com destaque para o Cândido de
Voltaire e o Candinho de Mazzaropi, Walcyr Carrasco fez um trabalho genial de
comédia, mas com certeiras doses de ternura e bons retratos caricaturais da
cupidez humana. E vale destacar que ele sempre escala um time muito bom em papeis
certeiros como Ary Fontoura, Elizabeth Savalla e Flávia Alessandra (
especializando-se em megeras louras).
No
momento temos três novelas em exibição na Vênus platinada que não me empolgam muito
ou quase nada. Acho que ficamos muito exigentes depois das duas acima e a
comparação é inevitável. A lei do amor
até que já deu uma melhorada, mas não oferece vibração e não fideliza a
platéia. Como minha intenção no blog em analisar novelas é mostrar o lado A da
nossa produção, entendam o silêncio como um sinal. O trio só cumpre seu papel
de folhetim para o simples entretenimento, mas faltam-lhe algum ingrediente que
vez ou outra abunda em outras receitas.Na carência, é melhor rever Cheias de
Charme, diversão garantida e crítica social de primeira. Ou apelar para as reprises do Viva...
Nas
minisséries tivemos Justiça como uma
obra digna de elogios. Inovou, ousou e fez um grande trabalho com cenas
lancinantes e personagens de rara densidade como a Fátima de Adriana Esteves e
a mãe-pietá de Débora Bloch, além da breguice
perverso-cômica de Kellen (Leandra Leal). O conceito de justiça foi visto sob
diversos olhares, oferecendo lentes de aumento sobre vários dramas. Optou bem pelo
Recife e seus cenários, o espaço resultou num protagonista a mais. A ideia dos múltiplos pontos de vista trouxe
um frescor excitante para o horário. Todos bebendo das séries, mas e daí? Não
há nada de novo mesmo sob o sol...
Janeiro
se anuncia com uma boa promessa: Dois
irmãos, adaptação do romance do amazonense Milton Hatoum. Um dos melhores
romances que já li. O classifico não só como um grande romance contemporâneo,
mas o ponho na lista dos melhores do Brasil. O autor revive a relação de gêmeos
rivais de inspiração bíblica assim como fez Machado de Assis com o seu Esaú e
Jacó. Vale mesmo ler o romance e garanto que vão querer ler outros títulos do autor.
Pelas chamadas e pelo elenco a série promete. Aliás, acho que a televisão
contribui com a leitura e curiosidade sobre os livros quando produzem essas
obras. Afinal depois dela, Nada, nada mesmo, será como antes...
Avante
2017, Que os bons fios da ficção nos tragam boas horinhas de descuido e felicidade,
afinal precisamos dessa Terceira margem... Contiuemos em diálogo dentro e fora
das telas e dos livros...