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sábado, 9 de abril de 2016

O Amor de perdição de Tereza de Sá Ribeiro e Santo dos Anjos


 

 

Há um rio afogando em mim
Secando, secando, secando
Tem rompante os mistérios que já vi
Esperando, esperando, esperando o fim

Foi na margem do meu peito
Que você pisou e se fez dona
Só pra magoar minha ciranda
Que desanda, que desanda, se diz andar

Esse peso desaba e condena
A faminta pescadeira
E por mais que você não sinta
Ramos e remos, cores e troncos
Coroas viúvas
Do coito do corpo
Do corte da lua
Do sol do luar

Foi na margem do meu peito
Que você pisou e se fez dona
Só pra magoar minha ciranda
Que desanda, que desanda, se diz andar

Se esse rio desaguar em ti
Viverás, viverás, viverás sem mim
E se não acontecer assim
Morrerá, morrerá, morrerá enfim

 

 Os belos versos da música Margem, dos baianos Paulo Araújo e João Filho, umas das canções da trilha sonora de Velho Chico, que aliás tem se destacado, entre outros atributos, pela qualidade e variedade das músicas que vão costurando o enredo e dando o tom das histórias narradas (boleros, Tropicália, os violeiros, samba-canção, um mix da musicalidade brasileira). Como se fosssem vozes de um coral que vão regendo a novela, a trilha sonora cumpre seu papel de ser também um elemento narrativo. Como na música, o amor de Santo (Renato Góes, atuação surpreendente) e Teresa (Julia Dalavia) pode sufocar e morrer, pois configura-se como um amor de perdição. Mote de várias histórias alimentam a nossa tradição literária.

O amor entre jovens de famílias inimigas, ou reinos inimigos,  é o tema dos famosos amantes shakespereanos de Verona, Romeu e Julieta, uma das matrizes literárias das histórias de amor ao longo dos tempos. Ao lado de Tristão e Isolda, simbolizam o amor sem um final feliz romântico que tanto desejamos ver nas tramas e na vida. Esses fios também  alimentam  outro grande clássico da Literatuta portuguesa, Amor de Perdição(1862) de Camilo Castelo Branco. Igualmente oriundos de familias rivais, Simão Botelho e Tereza Albuquerque viveram um amor malfadado que lhes conduziram à perdição.

Assim como Santo dos Anjos e Tereza de Sá Ribeiro, os personagens portugueses  foram separados por suas famílias, ela vai para o convento e alimenta a dor do seu amor através das correspondências banhadas de lágrimas (para falar do papel das cartas nas tramas romanescas precisaríamos de um tratado, basta de lembrar de O primo Basílio ou São Bernardo só para provocar as lembranças), a separação e o peso da distância regam o sofrimento amoroso, vivificado somente através das memórias dos encontros clandestinos. Em Camilo, um amor casto, em Velho Chico, ardência consumada nas águas eróticas do rio.

Na trama contemporânea, em lugar da generosa Mariana, que mesmo apaixonada por Simão, é tão fiel que o ajuda a viver seu amor, temos Luzia (Larissa Goes), ardilosa, ressentida, invejosa, que ao extraviar e queimar as cartas, sela o destino da separação dos dois. A cena dela mentindo para  a mãe de Santo (Cyria Coentro, reinando como matriarca forte/frágil) sobre o conteúdo da carta foi espetacular. Além do suspense da cena, vale destacar a questão social do analfabetismo, que fez com que Piedade aceitasse sua versão como verdade.

O drama desse outro amor de perdição alimentou essa última semana com maestria. A severidade do pai, os protocolos conventuais com seus segredos e sussurros, a mãe solteira como uma mácula familiar, a fragilidade/brutalidade do Coronel diante do dilema familiar (o seu pranto em posição fetal foi simbólico desse abandono do amor materno, sua mãe, com licença do trocadilho, é a Encarnação do Diabo), o papel de Iolanda como uma deslocada naquele clã e  o conflito da mãe de Santo entre a felicidade do filho e a questão da rivalidade, elementos que compoem uma boa história de ser contada e acompanhada com sobressaltos e  emoções  pelos telespectadores

Segunda (11-04), entraremos em outra fase, penso que essa atual poderia render mais, mas novos afluentes nos aguardam. Os rios seguem cortando no peito dos protagonistas desse amor de perdição revisitado. Como na Quadrilha de Drummond, os pares foram trocados por forças externas aos seus desejos, a ciranda desandou como nos versos da música que servem de epígrafe para essa nossa reflexão, todavia na arte e na vida, os pares podem se cruzar por aí e espantar a saudade, essa “palavra triste quando se perde um grande amor”...e desaguar em mim e em ti do lado de cá da tela...afinal, o amor é o tema dos temas...

 

           

8 comentários:

  1. Lindo texto. Perfeita analogia com a literatura. Só uma doutora em Literatura , poderia fazê -lo. Parabéns, Alana.

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  2. O amor a tecer os fios sublimes de tantas histórias! continuemos com as redes textuais...

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  3. Ainda bem que sou cercado por pessoas e análises bem pontuais como essa, em que Alana traz à baila as nuances do amor através das diferentes linguagens. Texto digno!!!

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  4. Texto tão lindo quanto a novela. Parabéns

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  5. Obrigada, caríssimo, seja bem-vindo a esse espaço de leitura e discussão! Leitor digno!

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  6. Também concordo que esta fase poderia durar um pouco mais, tava impecável. Até meus irmãos e filhos que há tempos não acompanhavam novela não perdem um episódio. Acho que tanto os noveleiros de carteira assinada quanto os noveleiros esporádicos sofreram junto com Santo e Tereza, quiseram que Luzia morresse e marejaram quando o Martin, na sua inocência de guri, foi consolar Encarnação, que lamentava a morte do filho (que bonita aquela cena!) e realmente, a trilha da novela ultrapassa todo o seu papel de deixar a gente mais tenso ou mais emocionado no meio de tanto conflito, amargura (e amor). Trabalho espantoso. Agora é ver onde esse novelão vai desaguar e esperar que a próxima etapa não seja arrastada demais, porque vai ser uma bucha manter essa qualidade.

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  7. Concordo, caro leitor, essa fase renderia ainda belas cenas...Manter o ritmo não vai ser fácil. Aguardemos e continuemos mergulhados nessas belas águas da ficção.

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