Há um rio afogando em
mim
Secando, secando, secando
Tem rompante os mistérios que já vi
Esperando, esperando, esperando o fim
Foi na margem do meu peito
Que você pisou e se fez dona
Só pra magoar minha ciranda
Que desanda, que desanda, se diz andar
Esse peso desaba e condena
A faminta pescadeira
E por mais que você não sinta
Ramos e remos, cores e troncos
Coroas viúvas
Do coito do corpo
Do corte da lua
Do sol do luar
Secando, secando, secando
Tem rompante os mistérios que já vi
Esperando, esperando, esperando o fim
Foi na margem do meu peito
Que você pisou e se fez dona
Só pra magoar minha ciranda
Que desanda, que desanda, se diz andar
Esse peso desaba e condena
A faminta pescadeira
E por mais que você não sinta
Ramos e remos, cores e troncos
Coroas viúvas
Do coito do corpo
Do corte da lua
Do sol do luar
Foi na
margem do meu peito
Que você pisou e se fez dona
Só pra magoar minha ciranda
Que desanda, que desanda, se diz andar
Se esse rio desaguar em ti
Viverás, viverás, viverás sem mim
E se não acontecer assim
Morrerá, morrerá, morrerá enfim
Que você pisou e se fez dona
Só pra magoar minha ciranda
Que desanda, que desanda, se diz andar
Se esse rio desaguar em ti
Viverás, viverás, viverás sem mim
E se não acontecer assim
Morrerá, morrerá, morrerá enfim
Os
belos versos da música Margem, dos
baianos Paulo Araújo e João Filho, umas das canções da trilha sonora de Velho Chico, que aliás tem se destacado,
entre outros atributos, pela qualidade e
variedade das músicas que vão costurando o enredo e dando o tom das histórias
narradas (boleros, Tropicália, os violeiros, samba-canção, um mix da
musicalidade brasileira). Como se fosssem vozes de um coral que vão regendo a
novela, a trilha sonora cumpre seu papel de ser também um elemento narrativo. Como na música, o amor de Santo (Renato Góes, atuação surpreendente) e Teresa (Julia Dalavia) pode sufocar e morrer, pois configura-se
como um amor de perdição. Mote de várias histórias alimentam a nossa tradição
literária.
O amor entre jovens de famílias inimigas,
ou reinos inimigos, é o tema dos famosos
amantes shakespereanos de Verona, Romeu e
Julieta, uma das matrizes literárias das histórias de amor ao longo dos
tempos. Ao lado de Tristão e Isolda,
simbolizam o amor sem um final feliz romântico que tanto desejamos ver nas
tramas e na vida. Esses fios também alimentam
outro grande clássico da Literatuta
portuguesa, Amor de Perdição(1862) de
Camilo Castelo Branco. Igualmente oriundos de familias rivais, Simão Botelho e Tereza Albuquerque viveram um amor malfadado
que lhes conduziram à perdição.
Assim como Santo dos Anjos e Tereza de Sá Ribeiro, os personagens portugueses foram separados por suas famílias, ela vai para
o convento e alimenta a dor do seu amor através das correspondências banhadas
de lágrimas (para falar do papel das cartas nas tramas romanescas precisaríamos
de um tratado, basta de lembrar de O
primo Basílio ou São Bernardo só
para provocar as lembranças), a
separação e o peso da distância regam o sofrimento amoroso, vivificado somente através
das memórias dos encontros clandestinos. Em Camilo, um amor casto, em Velho Chico, ardência consumada nas águas eróticas do rio.
Na trama contemporânea, em lugar da
generosa Mariana, que mesmo apaixonada por Simão, é tão fiel que o ajuda a
viver seu amor, temos Luzia (Larissa Goes), ardilosa, ressentida, invejosa, que ao extraviar e queimar
as cartas, sela o destino da separação dos dois. A cena dela mentindo para a mãe de Santo (Cyria Coentro, reinando como
matriarca forte/frágil) sobre o conteúdo da carta foi espetacular. Além do
suspense da cena, vale destacar a questão social do analfabetismo, que fez com
que Piedade aceitasse sua versão como verdade.
O drama desse outro amor de perdição
alimentou essa última semana com maestria. A severidade do pai, os protocolos
conventuais com seus segredos e sussurros, a mãe solteira como uma mácula
familiar, a fragilidade/brutalidade do Coronel diante do dilema familiar (o seu
pranto em posição fetal foi simbólico desse abandono do amor materno, sua mãe,
com licença do trocadilho, é a Encarnação do Diabo), o papel de Iolanda como
uma deslocada naquele clã e o conflito
da mãe de Santo entre a felicidade do filho e a questão da rivalidade, elementos que compoem uma boa história de ser contada e acompanhada com sobressaltos
e emoções pelos telespectadores
Segunda (11-04), entraremos em outra fase, penso que essa atual poderia render mais, mas novos
afluentes nos aguardam. Os rios seguem cortando no peito dos protagonistas
desse amor de perdição revisitado. Como na Quadrilha
de Drummond, os pares foram trocados por forças externas aos seus desejos, a
ciranda desandou como nos versos da música que servem de epígrafe para essa
nossa reflexão, todavia na arte e na vida, os pares podem se cruzar por aí e
espantar a saudade, essa “palavra triste quando se perde um grande amor”...e
desaguar em mim e em ti do lado de cá da tela...afinal, o amor é o tema dos temas...