Filme Francês de 2011, dirigido por Jean
Becker, adaptação do livro de Marie-Sabine Roger, La tête en friche, que significaria, aproximadamente, em português: cabeça ainda não
cultivada. No Brasil, recebeu o doce nome de Minhas
tardes com Margueritte. Juntemos os dois títulos e temos uma idéia
perfeita do roteiro do filme. Uma bela história da amizade improvável entre uma
senhora culta, elegante e solitária e um bronco de meia idade, que vive de bicos
e tem como marca maior uma dificuldade com a linguagem. São antagônicos em
tudo, peso, idade, cultura, sofisticação, todavia serão atados através da
aprendizagem simultânea desses mundos tão aparentemente distantes. Margueritte (Gisèle Casadesus) e Germain (Gérard Depardieu) representam com fulgor esse
misto de drama com toques bem dosados de comédia. Ela especialmente parecida
com Dona Cleonice Berardinelli, nossa mestre maior da Literatura portuguesa no
Brasil, para mim um grato presente.
Conhecem-se
numa praça onde observam um bando de pombos (sempre unidos e protegendo uns aos
outros, um dos símbolos da agregação e da necessidade de nomear o mundo, principais
temáticas do filme). Ela sempre lendo seus clássicos, desperta o interesse
daquele homem. E daí as conversas começam e se enredam com a história da vida
sofrida dele, mostrada através de magníficos flashbacks, que nos põem a par de sua trajetória de vida como filho
único e sem pai de uma mãe impiedosa e de suas muitas dificuldades com a linguagem
e a leitura, frutos de uma escola cruel com professores igualmente cruéis.
Uma
das cenas mais belas do filme acontece quando Margueritte (com dois tt, dado
relevante para seu processo de encantamento com a linguagem) lê para ele A peste (1947), obra prima de Albert Camus,
e as imagens da epidemia dos ratos vão invadindo sua mente e a nossa também (outra
representação feliz do filme, a forma como a literatura é capaz de trabalhar e
ampliar nossa leitura de mundo).
Destaca-se também a relação de Germain com o dicionário, na cena em que ele vai lendo no Petit Robert, presente da sua mestre, o significado de algumas palavras para
o seu gato, tentando reproduzir o que sua amiga sábia faz com ele, mas esbarra
na complexidade da língua que não dá conta de nomear plenamente o mundo, a
variedade de seus tomates por exemplo.
Ainda
vale ressaltar, o ciclo de amigos de Germain e a relação com sua namorada (vai
crescendo ao longo do filme), ainda que gozadores e canalhas há ali um princípio
de fraternidade. São solidários ao seu modo, mas como um dos motes do filme, é “é difícil dizer”,
emblema disso é a tentativa cômica de
Germain em consolar a matrona dona do bar, abandonada pelo amante jovem por uma
mocinha, as emendas são sempre piores que os sonetos. Todavia, na medida em que
seu processo de letramento com Margueritte vai se desenvolvendo, torna-se difícil
sua comunicação com esses antigos pares, seu mundo vai ficando maior, assim
como seu canteiro de hortaliças. Já com a namorada, o conhecimento que vai
adquirindo melhora em muito a qualidade de seu amor por ela, o romance fortuito
se transforma no final em uma família com a presença inesperada de Margueritte
como membro especial, outra sacada inteligente do filme, as famílias vão muito
além dos laços de sangue.
Filmes
assim são edificantes para além do prazer da experiência estética, pois nos faz
acreditar no poder dos laços afetivos e na magia do conhecimento através dos
muitos livros citados na trama e das conversas profundas entre as personagens. Saímos
melhores depois de uma hora e vinte minutos imersos no universo de tanta
sensibilidade ao retratar o mais fino tipo de amor: A amizade, que só é
verdadeira quando se dá através da partilha. E emoldurada pela força
encantatória dos livros e das palavras ficou ainda melhor...