A novela Império,
de Agnaldo Silva, começou em fogo brando, mas vem ganhando lume novo a cada
episódio. O folhetim, como indicado no título, circula em torno da metáfora da
monarquia, representada pelo núcleo central da trama: a família do imperador
José Alfredo. Há diversos elementos que remetem à realeza: herança, sucessão, amantes,
bastardia, títulos, casamentos por conveniência e demais Ligações Perigosas nos
bastidores da corte e em torno dela. Cheia de ecos de Rei Lear e Macbeth e
demais meandros da cupidez humana.
Boa parte da eficiência
da trama está na força do protagonista. Ambíguo como todo bom herói moderno, O
Comendador, O homem de preto (reis sempre têm epítetos)vivido por Alexandre
Nero, certamente , entrará para a galeria de protagonistas marcantes da nossa
teledramaturgia, tais como Felipe Barreto( O
Dono do Mundo), Juvenal Antena(Duas
Caras), Giovanni Improtta (Senhora do
Destino), Antenor Cavalcanti ( Paraíso
Tropical), adoráveis canalhas, politicamente incorretos, anti-heróis por
excelência que caem no gosto do público e no imaginário do brasileiro.
Dentre tantos
temas apresentados na trama, destacam-se alguns, dentre eles a oposição entre
ricos de berço e os novos ricos e os labirintos da sexualidade. O casal
protagonista explora a questão da tradição, Maria Marta (a brilhante Lilia
Cabral), que, embora falida, emprestou seu nome ao marido, milionário emergente,
mas sem a classe cruelmente exigida pela alta sociedade. Aliança feita e ambos
se beneficiaram dos dotes um do outro até o acordo se quebrar e virarem
“inimigos cordiais”.
Essa oposição
é também estendida a outras personagens de forma mais pícara, a exemplo do
casal Severo e Magnólia (nomes motivadamente irônicos, ele não é nada severo e
ela não é flor que se cheire, pais cafetões que se salvam aos olhos do
expectador pela saída do humor) que abusam do dito mau gosto da classe
emergente, amplamente representado na preparação de suas bodas de prata em
contraste com o refinamento dos
cerimonialistas Claudio e Beatriz. A máxima que o dinheiro no Brasil mudou de
mão já foi repetida algumas vezes na novela, e até Joãozinho Trinta foi
estrategicamente citado na sua famosa frase: “Quem gosta de pobreza é
intelectual, pobre gosta é de luxo”. Carnavalização, inversão da ordem,
reflexos de um novo país, simbolicamente retratados na tela.
E por falar em
Claudio e Beatriz, chegamos aos labirintos da sexualidade. José Maier, galã por
excelência do horário nobre, empresta sua alma ao angustiado bissexual de meia
idade carregado de conflitos existenciais, mas complexa mesmo é Beatriz. Beira
ao inverossímil a sua compreensão generosa das relações extraconjugais do
marido ( sempre me pergunto se fosse uma amante e não um amante qual seria sua
reação), mas a arte é para quebrar
regras e causar estranhamento mesmo (épater le bourgeois)
e ela segue altiva, bela e amada. A reação de seu filho
Enrico, é legítima a princípio, mas me parece prolongada demais, desproporcional
demais para um pai tão bom, o que fez com que o papel do chef perdesse a mão e
o interesse.
Xana Summer (Ailton
Graça) é apaixonante, aquelas personagens que se tornam maiores que o seu papel
e viram sol, iluminando todo o pequeno núcleo do seu lar e do seu abraço acolhedor
(Lorraine é impagável) e, para explorar mais os labirintos do tema, a trama
acena com o possível relacionamento para além da fraternidade com Naná(Viviane
Araújo) em nome de um amor maior pelo menino órfão. Já Téo Pereira (Paulo Betti),
agora Teodoro, é caricatura pura, mas toda caricatura tem o pé no real, é
metonímia de uma imprensa marrom demolidora de reputações e criadora de
celebridades, meio por demais conhecido pelo seu criador que também alimenta um
blog ácido no mundo real, uma espécie de auto-homenagem crítica de Agnaldo
Silva. Em resumo, as personagens envolvidas na temática homo afetiva são
prismáticas, vistas sob vários ângulos, trazendo calor para a discussão pelas
salas do Brasil à fora e à dentro,
mostrando que teimamos em por em linha reta o que é linha curva.
Há tantas
outras personagens e histórias que merecem nota. Silviano (grande Othon
Bastos), impecável mordomo inglês, num lar onde o lordship gosta de tomar café em copos de requeijão, certamente deve
ter um porquê ainda a ser apresentado, caso contrário seria um desperdício de
talento. A substituição de Cora em pleno ápice, excelente no papel de
corvo-vampiro, por razões de saúde, risco de toda obra aberta, teve sua
verossimilhança ameaçada, mas rapidamente devolvida, afinal aceitamos o pacto
do fingimento.
A loucura
genial de Salvador (Paulo Vilhena encontrou seu papel).O mundo do camelódromo,
com sua força de comércio popular. A escola de samba e seu entorno. Os
bastidores da alta gastronomia e do design de joias. Fragmentos de um mesmo
Brasil, mosaico cultural e social tão bem retratados na novela brasileira.
Brasil, mostra a tua cara e para isso vale tudo nessa Avenida.
Enfim, o
Império está sob ameaça de ruína, mas a narrativa está salva. Já que nem os
diamantes são eternos, acompanhar boas histórias nos torna mais humanos... E,
se não eternos, ao menos, mais ternos.
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